sexta-feira, novembro 9

Lar, amargo lar! Home, bitter home...

 
 
Toda vez que o avião toca o solo de Bahrain eu sinto aquela onda de familiaridade me invadir.
Conheço tão bem a rotina, que saio do aeroporto rapidinho. Tudo flui tranquilamente e pela primeira vez em 13 anos, eu tenho a sensação de estar chegando em casa. Bahrain prá mim, ganhou status de  "casa"há alguns anos.
Os perfumes, as luzes e as cores me dão aquela sensação de que eu estou no lugar certo.
 As mulheres de abbaya, o transito maluco, os shoppings todos amontoados na mesma regiao, até a areia atravessando as ruas... Tudo faz parte da minha cidade, da minha vida, da minha rotina.
Infelizmente tudo isso está perdendo o poder de me confortar e tem me deixado com um gosto be amargo na boca.
Como não é segredo para ninguém, a situação politica do país não está nada bem. Os protestos pacificos lentamente foram dando lugar a violencia. Sangue foi derramado dos dois lados, mas até agora o conflito parecia ser exclusivamente entre a posição e a oposição e nós, estrangeiros ( que somos 50% da população) não tinhamos "nada com isso".
Eu sei que essa é uma visão simplista, ingenua até, mas desde que a primavera arabe começou, eu nunca me senti ameaçada ou em risco.
As inconveniencias, por outro lado,  eram frequentes. Ruas bloqueadas pelos manifestantes, tiros de gás lacrimogêneo atirados pelos policiais, e o nosso caminho ficava atravancado ou a nossa festa no jardim tinha que correr pra dentro de casa, todo mundo com os olhos ardendo e a garganta queimando.
Helicópteros, explosões de bujões de gás, nada disso era novidade.
A situaçao foi escalando devagarinho. Mal percebemos. Pessoas morreram, mas sempre aparecia uma "justificativa" para as mortes. Como se fosse possivel justificar a perda de uma vida.
Os conflitos iam se desenrolando diante dos nossos olhos, mas completamente distantes da nossa realidade. Não era conosco.
E as desculpas esfarrapadas continuaram a ser formuladas.
 Um inglês teve o dedo cortado quando se perdeu numa vila xiita, madrugada adentro.
Ele deve ter provocado, com certeza.
Um paquistanes teve a lingua cortada.
Ah, devem te-lo confundido com um policial. Foi retaliação...
Pessoas morreram nas cadeias
Morte natural
Policiais foram mortos em conflito
Mortes acidentais...
A violência e as fatalidades devagarinho foram se arrastando para o nosso cotidiano, e  nós, fomos mais uma vez, arrumando desculpas e justificativas para elas.
Depois de um ano e meio, depois de eu ter perdido praticamente todos os meus amigos ( calma, calma, ele foram embora, não morreram!), a minha ficha está começando a cair.
Essa semana cinco bombas explodiram na nossa pacata ilha. Duas pessoas morreram na hora, a terceira vitima faleceu no hospital.
Ainda ouvimos as mesmas desculpas esfarrapadas. Que nós não somos o target, que ninguém ( nem posição nem oposição nos tem na mira), que foi uma fatalidade.
Já comecei a ouvir o discurso de negação: o alvo é a empresa de limpeza ( as bombas foram colocadas em latões de lixo e os três mortos são garis indianos)/ Foi a posição que macomunou isso, pra culpar os manifestantes/ foi...
A verdade é que basta!
Isso tem que acabar. Já.
É hora de começarmos a valorizar a vida dessas pessoas que estão morrendo embaixo do nosso nariz.
Meu coração está apertado. Eu já não estou mais tranquila, nem confiante. Longe vão os dias em que eu pedia pros manifestantes apagarem o fogo da rua prá eu passar, por que minhas filhas estavam  com fome - eles apagavam sorrindo, eu passava sem medo. Hoje já não me atrevo. Não tenho a menor idéia de como vão reagir, não tenho comos aber se não há mais bombas escondidas ali.
Meus dias estão mais tristes. estou vendo o meu pais do coração entrar num buraco que não parece ter fundo.
Na noite passada o alvo foi uma loja de carros. 59 carros foram incendiados. Graças a Deus, os vigias da loja foram amarrados, mas não foram machucados.
Qualquer um pode ter ateado fogo aos carros. Pode ter sido um grupo de vandalos sem nenhuma ligação com os manifestantes, pode ter sido a oposição, pode ter sido alguém querendo botar a culpa neles, pode ter sido um ato isolado ou parte de um esquema para criar ainda mais caos no país.
A verdade é que o circulo está se fechando.
O perigo está chegando perto.
Hoje todos os acessos ao meu bairro foram bloqueados pela policia. Nós podiamos ir onde nós quiséssemos, mas ninguém podia vir aqui. E se nós saíssemos, também não dava pra voltar.
Foram 4 horas de "lock down".
Meu Bahrain já não é mais o mesmo. talvez seja melhor eu começar a me despedir.

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Every time the plane touches the ground in Bahrain I feel a wave of familiarity invading me.
I know the routine so well, I go through the airport hassles in a minute. Everything flows smoothly and for the first time in 13 years, I have the feeling of coming home. Bahrain, for me, gained the status of "home" a couple of years ago.
I could live here forever.Bahraini scents, lights and colors give me the warm feeling of being in the right place.
Women in abbayas, the crazy traffic, shopping malls all crammed in the same region, even the sand crossing the roads ... It's all part of my city, my life, my routine.
Unfortunately it seems this comfort is about to end soon.
This is no secret, the political situation of this country is not well at all. The peaceful protests slowly gave way to violence. Blood was shed on both sides, but until recent times, the conflict appeared to be exclusively between the position and the opposition and we, foreigners (who are 50% of the population) did not have "anything to do with it."
I know this is a simplistic, even naive view on things, but since the Arab Spring began, I never felt threatened or in danger. But now the violence is starting to crawl into our lives.
Let me explain: t
he inconveniences caused by the clashes between oposition and the police were frequent.
Streets were blocked by protesters, tear gas was  thrown by police, and our roads were cluttered or our garden party had to move into the house, everyone's eyes and throats burning.
Helicopters hovering over our homes, explosions of gas canisters, none of this was new.
It simply became part of our lives, we adapted.
The situation was slowly changing, but we did not notice imediately. Some people even died, but there was always  a "justification" for the deaths. As if it were possible to justify the loss of a life.
The conflicts were escalating before our eyes, but at the same time, it felt very  far from our reality. It had nothing to do with us..
And the excuses continued to grow:
An Englishman had his finger cut when he was lost in a Shiite village, late into the night.
He must have provoked them, for sure.
A Pakistani  man had his tongue cut out.
Ah, someone must have him confused with a police officer. It was retaliation ...
People died in prisonsNatural deathPolicemen were killed in conflict
Accidental deaths ...
It seemed like we were watching it all unfold on a TV show, maybe a book. It all seemed so distant from us.
After a year and a half of conflicts, after losing  almost all my friends (calm down, calm down, they left, they were not killed!), I am finally getting the picture. I am taking my pink glasses off my eyes.
This week five bombs exploded in our peaceful island. Two people died on the spot, the third victim died in hospital.
The excuses we hear are still the same.
We're not the target ( western expats)/It was a fatality/They were trying to get public attention/ the target is the government...
And many people are still in  denial: the target is the cleaning company (the bombs were placed in trash cans and street sweepers are three dead Indians) / this was the pró government who organised that, to blame it on the oposition...they were "only"normal criminals, taking the opportunity to create havoc!
ENOUGH! This has to end now.
It's time to start valuing the lives of the people who live in this country. bahrainis, shias, sunnis,expatriates or labourers  who left their country to try a better life in this gorgeous island. These are all valuable lives.
Enough blood has been spilt!
I am not feeling as safe as I used to be. Gone are the days when I asked protesters to put  the fire down so I could drive home and cook dinner for my kids. Today I would not do it. I have no idea how they will react now, I don't even know if there are no bombs in that fire.
My days are getting more and more sad.
Last night the target was a car dealership. 59 cars were torched.
Thank God, the watchmen were not injured.
Today my suburb was uner lock down. There was no access to my house from other areas. It stayed like that for 4 hours, then the police cleared the high ways.
Bahrain is no longer the same. Maybe I should start saying goodbye.


16 comentários:

  1. Fico muito triste em ler tudo isso, pois na minha memoria so fica guardado os bons momentos que vivi quando estava ai, a saudade que eu sinto da vida tranquila, das festas, de poder ver os amigos quando quisesse, de saber que apesar de alguns loucos existia liberdade, viviamos ai como vivemos aqui, assim que sempre explico Bahrain para o povo daqui, e ainda adiciono "e com um pouco mais de luxo e mimo", nos sentimos muita falta da nossa vida ai, mas pelo o que vejo aquela vida ja nao existe mais e isso realmente break my heart... :(

    soh espero que voces estejam seguros por ai

    bjks

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  2. Inaie, onde tem fumaça tem fogo. Apesar da afinidade de vocês pelo lugar é sempre bom prevenir e não esperar para ver o que acontece.
    Se cuidem.
    Grande abraço
    Manoel

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  3. Que essa despedida comece já!Riscos existem em toda parte,mas em algumas são mais intensos.Imagine como ficamos quando temos noticias de conflitos por aí...Bjs Inté!cirlei

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  4. Triste realidade, é uma pena que as coisas estejam se transformando desta forma.
    Cuidem-se!

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  5. Fico triste por vc. Imagino, so imagino..como deva ser sair de um lugar pelo qual vc tem amor, no qual esta abituada a tudo! Mas se è pelo bem de todos, pela vida!! por ter a sua familia sâ e salva...q vcs sejam mto abençoados onde quer q estejam.

    voltei a blogar Inaie!
    nao mimata??
    feliz por ter ganho a bolsa...minha mae ta curiosa e sem acreditar q vem de tao longe hehe

    varalzinhocolorido.blogspot.com
    este è meu novo blog.

    a novidade: to gravida de novo :)))

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  6. É, acho que o jeito vai ser dizer good bye e logo! Não dá pra pôr a vida em risco! Apesar de tudo que está acontecendo por ai, você deixará o país guardando os bons momentos que você ai viveu. Bjs

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  7. Ai, amiga... todas as loucuras que você fez na sua viagem solo pela ásia são "pinto", perto dessa situação. Não sei o que dizer, nem o que pensar... mas se tem jeito, se mandem daí rapidinho! Pfvr, me deixe te abraçar, não morra!!! ;)

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  8. Lendo o relato oficial, fica mais triste ainda. Bora logo pro frozen yogurt?!
    Não sei sei o povo daí ainda te quer por perto, mas seus amigos não te querem mais por aí...
    bjoca

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  9. Acho que vc devia considerar realmente se despedir daí. Não é fugir para algo que não pode ser feito, que só a sua força de vontade resulte em menos morte, mas pra preservar a sua própria vida. Ai a vida claramente não é preservada como deveria.

    Se cuide!

    KIsu!

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  10. Minha amiga, os sinais estão todos aí. Não os ignore. Essas campainhas de alerta dentro da sua cabeça são, no meu entender, para ser levadas muito a sério.
    Há dois anos visitei a Jordânia, perdendo-me no mundo encantado de Petra.
    No final da visita, o guia propôs-nos que fossemos à Síria. Aceitamos. Lá, senti um enorme desconforto, sentindo-me observada com desconfiança. No regresso a Amã, ficamos horas retidos na fronteira devido a uma qualquer incongruência num dos passaportes. Vivia-se uma paz podre que, infelizmente, se deteriorou até ao conflito aberto. E a ameaça esteve sempre no ar para quem soube interpretá-la.
    Minha querida, deixe esse país que deixou de merecer a sua confiança.
    Espero, sinceramente, que tome a decisão que considerar acertada.
    Um grande abraço da Nina

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  11. "Meu Bahrain já não é mais o mesmo. talvez seja melhor eu começar a me despedir." - verdade, minha querida... hora de picar a mula! Sai dai, pelamordedeus!

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  12. Fiquei triste por você ao ler o post! Mas tudo na vida tem um fim e um começo, começa a se despedir.
    bjs e uma boa semana!
    Jussara

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  13. Inaie, ao ler o seu texto inicialmente pensei: corre daí Inaie! Mas aqui no Brasil temos problemas seríssimos também, temos uma insegurança que paira no ar, crimes cometidos em plena luz do dia em nome do vício no crack...Ninguém está seguro, infelizmente.

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  14. procurando saber um pouco mais sobre Bahrein, meu coraçao disparou quando li isso, minha irma chega essa semana em Bahrein pra trabalhar ai. Que Deus ilumine-a

    gostaria muito que me enviasse seu email pra que eu pudesse falar com vc

    abraços

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    1. Roselei querida, meu e mail está logo na apresenta''cão do blog. É inaieramalho@hotmail.com

      Infelizmente você não deixou o seu e mail pra te escrever, espero que você veja essa mensagem.

      :-)

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  15. Eh muito triste saber disso, Inaie. Mas a verdade eh que todos os lugares tem o lado positivo e o negativo.

    Quase sempre a violencia em Bahrain parece uma coisa distante, quando aqui eh muito mais presente.

    O que eu sempre fiz foi manter uma lista de porque eu ter saido do Brasil. Isso sempre me ajudou a me manter focado.

    Abracos, Vinicius..

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