Chegamos em Bahrain as 7 horas. As 8:30 as minhas duas filhas estavam prontas, sapateando que queriam sair para encontrar os amigos. Anita foi aqui perto, pra casa do namoradinho. A Lia despencou pro outro lado da cidade, onde a maioria dos amigos dela moram. Nos temos um acordo com o nosso porteiro, e ele leva as meninas para a balada quando nos nao temos disposicao
O combinado e que as duas estariam de volta as 11. Anita pediu uma extensao ate as 11:30 e eu mole como eu sou
11:45 nenhuma das duas estava em casa e eu ja estava ficando com a macaca. Ligo pra Anita, ela jura que o taxi ja esta chegando. Ligo para a Lia e descubro que o sim card dela esta com o Fabio - ela esta sem telefone.
Mais uns 10 minutos e o Fabio acorda com o telefone dele tocando - e era o nosso porteiro/motorista nas horas vagas:
- Problema. Acidente. Pode vir aqui?
-Esta tudo bem? Alguem esta machucado?
- Problema. Semaforo do Mina Salman.Vem agora.
Fabio comeca a se aprontar - eu ja vou saindo de pijama mesmo.
- Inaie, de pijama nao da. Vamos ter que falar com a policia...melhor vc se trocar. E o Amram nao quer dizer se tem alguem machucado ou o que aconteceu.
Pego qualquer roupa e saio correndo.Sinto a angustia do Fabio, mas prefiro nem pensar no que esta acontecendo. Imagens horrorosas passam pela minha cabeca! Antes de chegar no carro, tenho a brilhante ideia:
- Alo! Amram. Inaie aqui. Poe a Lia no telefone!
- Madame, eu nao cheguei la ainda. Acidente no caminho. Ela la ainda.
Respirei mais aliviada. Ele esta falando, atendendo ao telefone, ela nem no carro estava. So me restava saber se haviam OUTRAS vitimas.
Fomos a 100 km/h. Carros enlouquecidos nos passavam pela direita e pela esquerda. Se nos ja estavamos acima do limite de velocidade, a quantos km/h iam esses malucos?
De longe avistamos as luzes azuis dos carros de policia. Quatro carros. E o meu carro parado no meio da rua. Amram em pe, ao lado, cercado de policiais.
- Oi. o carro e meu. O que esta acontecendo?
Me ignoraram ( e assim que filhode cuico se sente?)
Dois homens usando thobes (roupas arabes) vieram falar conosco e disseram que eram testemunhas. que um homem bebendo alcohol, tinha vindo correndo pela avenida, e tinha atropelado o meu carro.
Perguntei onde estava o outro carro e quase infartei quando ouvi a resposta:
- Nao tem outro carro. era um pedestre!
O farol do meu carro estava arrancado, a lataria em volta estava torcida como se tivesse sido aberta com um abridor de latas e a porta do passageiro nao abre mais. se o carro ficou nessa situacao, eu me recuso a imaginar o que aconteceu com o pedestre.
Andei mais um pouco e vi uma poca de sangue no chao. E muito vidro.
Perguntei mais algumas vezes o que estava acontecendo e a policia simplesmente nao me dirigiu a palavra. So pediu pro Amram pegar comigo a carteirinha do seguro do carro.
Ficamos parados, na sargeta, esperando para saber o que estava acontecendo e o que nos precisariamos fazer. De repente, o Amram diz que tem que levar o carro pra delegacia. Eu vou pro carro para leva-lo ( ele acabou de atropelar uma pessoa, deve estar uma pilha de nervos, e melhor eu dirigir), mas antes de eu entrar no carro, as duvidas aparecem: nao seria melhor o Fabio ir com ele e eu voltar pra casa, falar com a esposa do Amram, que tem um bebe de um mes?
Sem saber exatamente o que esta acontecendo nem o que vai acontecer, eu comeco a fazer perguntas para a policia:
- voces vao segurar meu carro na delegacia?
- sim!
- entao eu tenho que ir junto, pra trazer os dois (meu marido e Amram) de volta
Ai o policial vira pro Amram e fala bravo:
- Ja falei que vc nao precisa de ninguem com voce. Nao e pra ninguem ir com voce. Voces dois - vao embora. Se alguem precisar de voce, a gente liga!
Fabio desce do carro, entramos no nosso e vamos pra casa. Um silencio mortal. A sensacao de que a gente nao tinha ajudado em nada, que o destino daquele homem estava lancado. e que nem eu nem ele sabiamos o que estava por vir.
Na minha cabeca, uma roleta descontrolada.
A esposa. O bebe. Sera que ele vai ficar preso? Eu conheco algum advogado? O que vai acontecer agora? Quem pode me ajudar? Quem pode ajuda-LO?Como sera que esta a pessoa que foi atropelada? Sera que ele estava mesmo bebendo e correndo no meio da avenida? Deus, Deus, por favor proteja esses dois homens. A vida de um e o futuro do outro.
Fabio quebra o silencio:
- Bater boca com a policia so ia piorar a situacao dele.
Eu concordo. Concordo de coracao, mas fico com aquele gosto amargo de filho de cuico, que nao tem voz, nao tem direitos e nao tem alternativas. Ninguem me diz o que esta acontecendo, o que vai acontecer, qual e o procedimento!Quais as possibilidades.
So sei de historias que ouvi, nenhuma muito animadora.
Descubro que o atropelado e um oficial da marinha americana, e o motorista, um porteiro bangladeshi, aqui nessa regiao isso faz muuuita diferenca.
Chego no nosso condominio e vou pra casa do Amram, falar com a esposa dele (que nao fala nem entende ingles - os dois sao de Bangladesh).
Ela abre a porta e pergunta:
Amram?
Tento explicar. Ela cai no choro. Olho dentro do quartinho minusculo e o bebezinho dorme como um anjo. E a mae soluca compulsivamente. Meu coracao vira no avesso. ergunto se ela precisa de alguma coisa, se ela quer que eu fiquei com ela.
Ela so chora.
Ligo para o Amram - por favor, fale com ela. Ela esta chorando. O que voce quer que eu faca? Ela nao me entende. me ajuda!
Em casa, Fabio recebe uma ligacao do nosso senhorio (chefe do Amram, responsavel por ele no pais). sao quase duas da manha.
Ligacao vai, ligacao vem, o contato fica intenso entre o Fabio o Amram que esta na delegacia e o nosso senhorio. Fabio e o senhorio vao para a delegacia assinar uns papeis. Eu agradeco aos anjos por ele estar indo, afinal nenhum de nos fala arabe e a policia aqui nao e la muito boa num ingles. O senhorio diz que nao ve esperancas em trazer o Amram pra casa. Quinta feira - amanha e fim de semana, ele provavelmente vai dormir por la. So vao libera-lo no sabado - e com sorte!
Aqui no oriente Medio, se a vitima ( o machucado, nao o inocente) nao estiver consciente, a outra pessoa envolvida no acidente fica em cana. Quando o outro recobra a consciencia, ele pode liberar o que esta preso, mas se ele nao quiser, so o juiz tem essa autoridade - e isso pode levar varios meses.
Mas voltando ao bafafa de hoje.
Eu, dona do carro, nao PUDE ir a delegacia. Os homens acharam que era melhor eu ficar em casa. Fiquei preocupada por que todos os documentos estao no meu nome, mas o meu senhorio disse que eles so iam precisar da assinatura do meu marido
Dito e feito. Os homens sairam, fizeram, aconteceram e voltaram para casa com o Amran - e sem o meu carro, obviamente.
Eu, oficialmente filha de cuico, nem sai de casa. Tenho que cair de joelhos e agradecer ao Fabio por ter ido cuidar desse mico no meu lugar. Por estar aqui comigo, por cuidar de mim e me proteger. Aqui no Oriente Medio, nos mulheres nao somos nada. nem que seja o nosso nome na papelada!
Amram esta com a familia dele. Ele fez os exames necessarios e provou que nao tinha nenhuma gota de alcohol no organismo. So nos resta saber como esta o marinheiro atropelado.
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Respondendo aos super queridos que ficaram preocupados com lili: eu liguei prum amigo que estava com ela e ela voltou pra casa de carona com uma amiga - de taxi, coisa que eu evito ao maximo, por que nao conheco os motoristas e tenho medo de acidentes. Ironico??